A Cultura acima dos Governos

por Abel Neves

De uma vez por todas entenda-se que a responsabilidade do Estado para com a Cultura deverá ser lei para valer acima das circunstâncias políticas e caprichos ideológicos de personagens que ora entram ora saem dos gabinetes governamentais a mando das entidades partidárias. Uma evidência que sempre se pretende esquecer ou ocultar é a de que o fim para o qual concorrem as economias é a Cultura.
Um país que não cuide dos seus patrimónios culturais, protegendo as realizações do passado e investindo nas invenções da contemporaneidade, tornar-se-á desnorteado, apodrecido, sem futuro.

A fonte das economias também está na Cultura mas os poderes tentam fazer crer que a actividade intelectual e artística não é prioritária, sendo, além disso, nociva aos invioláveis pragmatismos de quem pensa e executa os milagrosos programas de ajustamento financeiro. É sabido que as práticas culturais produzem benefícios económicos embora a maioria delas aconteçam numa pequena escala que não se inscreve nem no gosto nem no interesse dos que vão tendo o poder de controlar e decidir.

Os governantes, e muitos responsáveis políticos, não querem admitir que a Cultura gera e distribui riqueza, e que diversas são as artes e os ofícios que podem reclamar actividade vantajosa com a dinâmica cultural, mas talvez seja mesmo uma cruzada ideológica e há que lhe dar veneno.
As iniciativas culturais não só revigoram competências, alargando capacidades de intervenção, como estimulam o relacionamento social, sustentando os ideários naturalmente plurais, e isso, de facto, não interessa aos agiotas da especulação financeira, viciados no lucro dos juros permanentes.

E acabe-se de vez com o termo subsídio que, na Cultura, não é mais do que um necessário apoio ao investimento e, consequentemente, um benefício social. Subsídio cultural tem parentesco, na terminologia, com esse outro atribuído à suinicultura. Culturalmente, tornou-se uma palavra abjecta.
Abdiquemos da vergonha que sugere e defendamos a exigência do cumprimento por parte do Estado das suas obrigações culturais.

Seja o que for que venha a acontecer, a Cultura sobreviverá. As teorias económicas não sabemos. Cumpre-nos a responsabilidade de convocar as economias para a defesa intransigente da Cultura porque é no bem-estar da vida social que se decidem os passos da humanidade.