A dignificação da administração pública, a efectividade da responsabilização financeira e a prevenção da corrupção

por António Cluny

1. Tony Judt definiu, um dia, ao Guardian a sociedade actual: «… aquilo a que assistimos é à transferência das responsabilidades do Estado para o sector privado (…) a uma ‘economia mista’ da pior espécie, em que a empresa privada é, indefinidamente, financiada por fundos públicos» (The Guardian de 20/3/2010).

Quando se fala de «corrupção», a atenção e o escândalo dos portugueses centram-se, mais do que nos estritos conceitos jurídicos contidos no Código Penal, neste tipo de situações.

Aí sim, a percepção «popular» da corrupção.

2. A abordagem e contenção deste fenómeno não pode, de facto, limitar-se à vertente criminal. Ela deve de passar, sobretudo, por outro tipo medidas:

- Devolução à Administração Pública de uma «carreira» e de um estatuto funcional que favoreçam a isenção, bem como de autonomia técnica face ao poder político e económico, de molde a que possa (e deva) emitir pareceres prévios sobre a despesa – actos e contratos de toda a espécie – designadamente quando estes atinjam valores relevantes;

- Responsabilização financeira efectiva dos titulares dos cargos políticos, quando decidirem contra ou sem tais pareceres obrigatórios e causarem dano ao Estado e outras pessoas colectivas de interesse público; - Responsabilização financeira dos funcionários que tenham emitido pareceres obrigatórios e favoráveis à despesa, aceites por responsáveis políticos que neles fizeram fé, e cujas decisões tenham, depois, causado dano ao Estado ou outras pessoas colectivas de natureza e interesse público;

- Responsabilização financeira solidária dos responsáveis e de próprias entidades privadas que, de algum modo, usem ou giram dinheiros públicos contra lei ou com fim diferente do que lhes estava destinado, causando, assim, danos patrimoniais ao Estado;

- Alargamento do âmbito do visto prévio – mesmo que a nível de parecer não vinculativo – relativamente à economia, eficácia e eficiência dos actos e contratos geradores de despesa relevante. Devolver-se-ia, depois, aos responsáveis das entidades geradoras da despesa o ónus de a prosseguir contra a orientação do TC. No caso de derrapagem posterior da despesa, poderia considerar-se, subsequentemente, a concretização legal de mais uma situação de responsabilização financeira.

Clarificando e limitando os níveis de responsabilidade dos decisores e de quem os aconselha, contribui-se decisivamente para a prevenção da «corrupção» tal como a sociedade a entende.