A efectiva negociação colectiva


por José Paulo Leitão

“Claro que receiam o ressurgimento dos Sindicatos, mas ficam pessoalmente muito pouco à vontade, mexendo-se, desviando o olhar ou refugiando-se a tirar apontamentos, se forem obrigados a discutir as pessoas que, na sua gíria “ficam para trás” “(Richard Sennett – A Corrosão do Carácter) ”.

O exercício efectivo do direito à contratação colectiva tem sido deliberada e progressivamente limitado, através de inúmeros mecanismos legais, em particular desde o Código do Trabalho de 2003, os quais vêm restringindo o âmbito da negociação quanto à consagração de condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.

A situação económica e política do país tem permitido que a balança, na mesa das negociações, se incline para o lado dos empregadores na inversão do caminho que já havia sido percorrido de dignificação dos trabalhadores nas suas condições de trabalho.

Tornou-se legalmente possível negociar, em determinados aspectos, condições de trabalho menos favoráveis do que aquelas que resultam da aplicação da própria lei.

Os custos do trabalho são negociados e reduzidos quer de forma directa quer de forma indirecta.

Assim, mesmo sem actualizações salariais anuais, institucionalizam-se carreiras profissionais, genericamente indefinidas, e com diminuição dos valores médios retributivos de referência de cada profissão.

Ou seja, uma determinada profissão/categoria, mesmo sem diminuição da retribução-base, em concreto, vale menos hoje do que há poucos anos.

A duração e organização do trabalho, designadamente, os regimes de adaptabilidade e o banco de horas, são mecanismos privilegiados de redução dos custos de trabalho.

O espectro do mecanismo da caducidade das convenções colectivas em vigor também tem ajudado os empregadores na negociação para a redução dos direitos dos trabalhadores.

Os empregadores dispõem assim de inúmeros instrumentos legais que lhes têm permitido, de forma brutal, reduzir as condições e os custos do trabalho no âmbito da negociação colectiva.

Todavia, como se não bastassem as condições da negociação colectiva favoráveis às empresas, vem agora o Governo, através da Lei nº 23/2012 (3ª alteração ao Código do Trabalho) interferir nas normas em vigor do instrumento de regulamentação colectiva, declarando nulas umas e suspendendo outras.

Assim acontece, por exemplo, com os acréscimos de pagamentos de trabalho suplementar os quais, desde que sejam mais favoráveis nos instrumentos de regulamentação colectiva são preteridos pelos que estão consagrados no Código do Trabalho.

O que está assim em causa é um ataque muito violento, por via legislativa, ao direito à efectiva negociação colectiva previsto no artigo 6º da Carta Social Europeia, bem como à existência dos sindicatos, pois a negociação colectiva está a ficar esvaziada de conteúdo.

Para que o direito à efectiva negociação colectiva não seja uma ficção talvez se deva começar por:


- Clarificar o princípio da representatividade das associações sindicais e sua relevância na negociação e no âmbito das convenções colectivas.

- Impossibilitar as convenções colectivas de trabalho de estabelecerem condições de trabalho menos favoráveis do que as supletivamente fixadas na lei geral.

- Revogar desde já as normas legais da terceira alteração do Código do Trabalho que declaram nulas e suspendem disposições de instrumentos de regulamentação colectiva que se encontram em vigor.