Capitalismo e Democracia - O fim de um mito?


por Manuel Veiga

Afinal, a democracia e capitalismo não são os tais “irmãos siameses”, que se alimentam da mesma seiva e cujo desenvolvimento inseparável é base da prosperidade e bem-estar da Humanidade...

Se, como alguns pretendem, a grande realização política ocidental do pós-guerra foi a tentativa de encontrar entre esses dois pólos o equilíbrio adequado, no contexto da realização do chamado Estado Providência e da “economia social de mercado”, hoje, não há dúvida, que o equilíbrio se rompeu a favor do mercado e dos poderosos que beneficiam da globalização e da liberalização da economia mundial.

A globalização, o neoliberalismo e as novas tecnologias da informação colocaram a questão do trabalho e do lucro em novo paradigma. Certamente que o trabalho humano continua a ser indispensável, mas cada vez mais reduzido ao núcleo central de especialistas em diversas áreas (bem pagos), que fazem girar a economia e engrossam os lucros e, a partir deles, descendo em cascata, níveis cada vez mais desqualificados de trabalhadores, em competição, lutando pela sobrevivência (as migrações em massa, a subcontratação, a polivalência, os contractos a prazo e à tarefa, etc. etc.).

Qual o papel dos Estados e da política nesta nova emergência?

O Estado nacional manifestamente deixou de ser compatível com os interesses do capitalismo global. Na Comunidade Europeia, como se sabe, deu impulso decisivo em direcção ao federalismo com a introdução da moeda única; de facto, a questão que hoje se coloca, já não é discutir o federalismo europeu, mas antes o modelo de federalismo (modelo clássico ou federalismo atípico) e o timing adequado à criação dos órgãos federais.

Como é inevitável, a crise do Estado acarreta a crise da política e da cidadania e dos direitos fundamentais que são lhe são imanentes...

Nunca como hoje se falou tanto em direitos humanos e direitos fundamentais dos cidadãos. No entanto, também nunca como hoje, os direitos fundamentais foram tão preteridos. O que demonstra à evidência que a ideologia (e também a ideologia jurídica!) é a “expressão invertida da realidade...”

Mas também no domínio concreto da acção política a cidadania está em crise, como bem sabemos e as limitações do presente texto não permitem explicitar.

Tanto como o desemprego, a exclusão social e a miséria, o que põe a cidadania em perigo é “a angústia que eles inspiram”. É o medo da despromoção social, da perda de emprego e de direitos, que alastra na sociedade, que tornam os cidadãos dóceis e conformados...

Julgo, por isso, que fazem todo o sentido as prevenções daqueles que afirmam que, no dealbar do século XXI, a mais eminente missão dos políticos preocupados com a democracia será devolver aos Estados as suas funções e de restabelecer o primado da política sobre a economia.

O “processo de fusão da técnica e da economia” que o capitalismo está a impor à humanidade pode conduzir a um curto-circuito global. Profecia trágica?! Talvez!... Mas quem contesta a urgência de, no meio da dificuldades incomensuráveis, agregar forças, energias e vontades e travar as batalhas do futuro, tendo em vista “tornar possível o impossível”?!