por Sérgio Vitorino
Do particular do movimento LGBT…
Atentar na realidade concreta das
vidas permite compreender que as discriminações e desigualdades sociais de todo
o tipo determinam impactos desiguais desta crise económica e social; que mesmo
direitos reconhecidos – se sobreviverem formalmente à ofensiva ultra-liberal –
podem tornar-se inacessíveis quando as condições das vidas se alteram
dramaticamente; que nenhuma temática ou movimento é uma ilha.
Exemplificando com um tema
historicamente caro ao movimento LGBT – e só no exemplo parcial da área da
Saúde/políticas de prevenção/ataque generalizado ao SNS – observemos o
significado da ameaça de extinção da troca de seringas nas farmácias, do
racionamento drástico dos preservativos para distribuição gratuita – vias da
diminuição da taxa de novas infecções pelo VIH –, ou das declarações do
Presidente do CNECV sobre racionar medicamentos e tratamentos a doentes com
sida (e oncológicos).
Falsamente semi-concluída uma
agenda legal LGBT, de luta pela igualdade formal – não fosse a) ter-se gorado a
melhor oportunidade de legislar sobre igualdade parental com a invenção
nacional e mundialmente inédita do “casamento sem adopção” ou b) a manutenção de
outras discriminações legais –, é fácil perceber a adversidade do contexto
legislativo e a forma como a precarização do conjunto das vidas está a afectar
de maneira própria diferentes grupos sociais. Face à brutalidade actual,
qualquer movimento social tem que se reequacionar e à sua agenda, requestionando
as fronteiras dos “seus” temas estritos, tal como é irracional debater medidas
de contenção económica sem atentar aos efeitos sociais, logo, às diferentes
frentes da sua contestação.
… ao geral dos partidos e dos movimentos.
Se os interesses próprios dos
movimentos sociais não se coadunam com o facilitismo de compromissos com o
Poder do momento, muito menos com a imediatez da disputa partidária ou a
divisão do momento. A experiência partidária no movimento social só é uma
mais-valia enquanto essa participação é inteiramente generosa, descomplexada e…
em função dos interesses próprios do movimento social. Possam as esquerdas
encontrar-se neste pressuposto e teremos movimentos mais combativos e melhores
esquerdas.
Na distinção entre partido e
movimento social é comum referirem-se como limitações do movimento possuir uma
agenda parcial e finita no tempo, ser efémero e não possuir matriz ideológica
comum ou formação política abrangente. Preconceito, e demasiado simples. A
diversidade e efemeridade do movimento social são a sua maior riqueza, enquanto
a parcialidade temática depende, na verdade, do grau de
politização/radicalização – capacidade de ligação entre lutas – das suas
componentes. Não há melhor escola política que o confronto com a acção e contradição
quotidiana do terreno, com as pessoas e as suas ideias, sem a qual seria
incompleta e distorcida a formação política e ideológica adquirida nos partidos
da esquerda. Ou não fosse para/com as pessoas que pretendem fazer política.