Europa e lusofonia

por Miguel Real

A Europa é o lugar natural de Portugal e Portugal deve esgotar ao limite a sua europeidade, acompanhando a evolução decadentista deste continente até ao próximo e decisivo passo da reinvenção da Europa.

Porém, se a Europa é o lugar natural de Portugal, o seu lugar histórico é, hoje a lusofonia. Isto é, os países lusófonos ou as ex-colónias constituíram no passado como constituirão no futuro o lugar histórico de Portugal. No passado, porque nasceram do cruzamento violento entre o corpo e o sangue de Portugal e o corpo e o sangue dos habitantes desses territórios, transformados pela história em países, conquistando uma unidade territorial e uma unidade linguística inexistentes sem a expansão portuguesa. Pai tirânico e cruel, sem dúvida, mas em todo o caso pai histórico, gerador de novos países, novos Estados e, através da língua comum, novas culturas, Portugal não possuiria singularidade no concerto político internacional caso a sua acção histórica não tivesse sido excepcionalmente marcante, sobrepondo-se ao seu lugar geográfico e natural.

Neste sentido, não se trata apenas de uma questão de paternidade histórica, trata-se, igualmente, de uma questão substancialmente relacionada com a própria identidade nacional de Portugal. Sem as ex-colónias, sem o tempo passado vinculado aos Descobrimentos, Portugal não possuiria a sua identidade histórica, nada seríamos senão uma Galiza maior, ponto de emigração para a América Latina e Europa. 

Neste sentido, devemos sempre juntar ao nosso lugar natural (a Europa) o nosso lugar histórico (a lusofonia), este actualmente mais importante do que aquele, se conquistado e realizado com sucesso. E a medida do sucesso realiza-se hoje na revolução linguística e cultural que os escritores dos países lusófonos têm operado na construção sintáctica e na difusão internacional da língua portuguesa. Ler os livros de Luandino Vieira, Ondjaki, Mia Couto, João Paulo Borges Coelho, Conceição Lima, Ana Paula Tavares, Pepetela, José Eduardo Agualusa, Germano Almeida e a miríade de escritores brasileiros é provar de um sucesso que, mais do que estritamente cultural, se afirma de um modo propriamente civilizacional, como se a língua portuguesa se encontrasse em estado de perfeito rejuvenescimento, preparada para explodir em infinitas soluções culturais e estéticas.

Só em comunhão lusófona sabemos quem somos e só em comunhão lusófona nos realizaremos como portugueses do século XXI. Estarão os políticos portugueses actuais preparados para esta responsabilidade? Devido ao seu fraquíssimo nível de conhecimento histórico e cultural, torna-se algo de absolutamente evidente: - Não, não estão!