O lugar de Portugal na Europa e no Mundo

por Ana Gomes

Afirmar os interesses nacionais e deixar a marca portuguesa na governação europeia e mundial tem menos a ver com os palmos de terra a que se circunscreve o nosso país, e mais com a capacidade de nos organizarmos e com a qualidade e ambição dos nossos representantes políticos, diplomáticos, empresariais, sindicais, académicos ou de outras instituições da sociedade. No mundo globalizado e multipolar de hoje, Portugal (como a Espanha, ou a Alemanha...) não vai encontrar saída da crise sozinho, fora da União Europeia.

Portugal tem de defender melhor os seus interesses, o que implica saber identificá-los, projectá-los, defendê-los e fazê-los partilhar por outros, no contexto europeu ou global. Não tem de reprimir a sua identidade nacional e os seus desígnios numa União que precisa de caminhar mais aceleradamente para uma Europa Federal, para poder transformar a crise actual numa nova oportunidade para o crescimento, a justiça social e a paz. O que importa é que essa Europa seja realmente democrática e com governação centrada nos interesses e aspirações dos cidadãos europeus. O que significa respeitar e por em prática os valores, princípios e objectivos em que se funda - e que tanto têm sido arredados, quando não arrasados, pela liderança de direita neo-liberal que prevalece na UE. Incluindo os princípios essenciais da solidariedade e da igualdade, bem como os objectivos do pleno emprego e da sustentabilidade do modelo social europeu.

A UE não pode deixar de fazer as reformas que se impõem e partir... para mudar o mundo. Porque o seu peso económico e político, apesar do declínio demográfico que a ameaça e tem de inverter, ainda determina que a sua acção (ou inacção) tenha impacte a nível global. A UE quer-se consistente no desígnio de contribuir para o multilateralismo eficaz – enunciado na Estratégia de Segurança Europeia e em toda a doutrina orientadora das suas relações externas, mas na realidade não traduzido em acção coerente (ainda menos em tempos de crise económica). A UE e os seus Estados Membros, Portugal incluído, não podem continuar coniventes com mecanismos informais de concertação - G7, G8, G20, G2 - cujo objectivo não é outro senão o de torpedear a formalidade vinculante das Nações Unidas. O bloqueamento na crise da Síria é demonstração de que é imperativo avançar na reforma e alargamento do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), incluindo a restrição do direito de veto. A UE - que tem dois Membros Permanentes no CSNU, mas nele não se senta - pode desencadear irresistivelmente este processo de reforma, se conseguir entender-se nesse desígnio.

A actual crise económica - produto do capitalismo de casino que desprezou o factor trabalho e deu rédea solta à especulação financeira - demonstra que precisamos de regulação da governação a nível global e de instituições capazes de exercer essa governação articulando os planos regional, nacional, europeu e global. Tal como precisamos ainda de Estados nacionais fortes, organizadores, distribuidores e representativos, também precisamos de mais Europa, de uma Europa federal e democrática. Estão enganados e agarrados ao passado aqueles que se arrepelam pela perda de soberania face à União Europeia e sugerem que há soluções “nacionais” para sair da crise. Apesar de todas as insuficiências e erros, sem a UE e sem o Euro estaríamos hoje ainda mais à mercê da “soberania” dos mercados e da especulação financeira. É de falta de política a comandar a economia de que temos de nos queixar na UE. É de política a orientar a economia que precisamos – para salvar o modelo social europeu.

O neoliberalismo viola princípios, valores e interesses subjacentes à construção europeia, fazendo ressurgir velhos tropismos "soberanistas". Nós, portugueses, com quase nove séculos de História como nação, fortes do gosto pela aventura, do desembaraço empreendedor e da língua que projectamos pelo mundo, não deveremos hesitar hoje em reinventarmo-nos como guarda-avançada da força cultural e humanista de uma Europa que atrai e é influente na medida em que se alicerçar e se bater por valores universais, por direitos e liberdades a que aspiram homens e mulheres em todas as sociedades e em todos os continentes. Contra a Europa-fortaleza e contra a Europa-casino. Por uma União Federal dos europeus.