O lugar de Portugal na Europa


por António Goucha Soares

A integração europeia representou um avanço civilizacional: num espaço onde antes existiram conflitos bélicos de dimensão mundial, os países fundadores decidiram erguer formas ousadas de integração das suas economias, e de cooperação em outras dimensões da sua soberania. Em resultado, a União Europeia proporcionou paz, liberdade e bem-estar aos seus povos.

Apesar do sucesso da construção europeia, ocorreram diversos erros ao longo deste processo. A adopção da moeda única terá sido, porventura, o mais grave. Ou, pelo menos, a criação de união monetária tal como ela resultou do Tratado de Maastricht, apoiada na ideia que cada país deveria suportar na íntegra os custos de ajustamento em períodos de crise, e desprovida de um mecanismo de estabilização financeira.

A crise da dívida soberana, eclodida em 2010, veio revelar uma nova faceta na integração europeia: por um lado, a hegemonia dos grandes países no processo político da União, com o imparável ascendente da Alemanha; por outro lado, a crescente erosão de confiança entre Estados-membros, e da solidariedade entre países.

A crise do Euro destapou, ainda, uma realidade oculta no relacionamento europeu: a pretensa superioridade de alguns países no confronto de outros Estados-membros, a que aludiu de recente o Presidente da Comissão. Para ser claro, dos países do norte sobre os Estados meridionais. Na verdade, nos últimos dois anos o tolerante paternalismo setentrional para com os países do sul transformou-se numa postura mais agreste, evidenciando alguns tiques repressivos.

Apesar da crise europeia e das dificuldades em que Portugal mergulhou, com a perspectiva de empobrecimento prolongado, seria ilusório pensar que a alternativa nacional se encontraria fora do Euro. Ainda que o país deva diversificar suas relações políticas e de comércio com a lusofonia e as economias emergentes, não existe espaço comparável para um relacionamento estável, realizado na base dos valores comuns europeus da democracia, direitos humanos, Estado de direito e protecção social.

A eleição do Presidente Hollande, em França, conferiu alento aos que têm resistido à prepotência alemã na gestão da crise do Euro. A aproximação entre os grandes países latinos – França, Itália e Espanha – introduziu na discussão sobre a superação da crise alternativas até então vedadas pela ortodoxia germânica. Assim, foi entreaberta a porta para uma alteração do equilíbrio de forças no xadrez político da zona Euro.

Portugal deve participar de forma activa nesse debate. O país não se deve sentir menorizado numa discussão que lhe diz respeito de modo directo, pelo facto de estar submetido a um programa de assistência financeira provido por entidades internacionais.
Todavia, a subserviência que o país tem demonstrado em relação às posições alemãs, esperando com isso obter um reconhecimento que o diferencie de outros Estados meridionais, não dignifica Portugal e, sobretudo, é contrária ao interesse nacional de encontrar uma solução europeia abrangente para a superação da crise da moeda única. Crise que teve profundas raízes sistémicas, recorde-se, não tendo resultado apenas de indisciplina orçamental dos países da periferia da zona Euro.