O passado recente e o presente da Educação em Portugal: que futuro?



por Maria João Fortunato

Democracia com fome e sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia” (Nelson Mandela).
Os sectores da Educação e da Saúde são dois pilares fundamentais do progresso de um povo: querer recuperar um país contra o povo desse país não faz sentido.
Um dos direitos fundamentais dos cidadãos é o de uma educação de qualidade ministrada nas escolas públicas. Após a natural confusão inicial dos anos pós 1974, com o lançamento do acesso à educação para todas as crianças e jovens e com o lançamento do então chamado ensino unificado, deixou de haver distinção entre escolas técnicas e liceus e seguiram-se mil e uma reformas, quer programáticas, quer metodológicas e didácticas. Estas reformas não produziram nem maior qualidade nem maior êxito (sendo este medido pelos reais conhecimentos e competências dos alunos e não pelas classificações por si obtidas).
Lançados os cursos profissionais, quer no 3º ciclo do ensino básico, quer no ensino secundário, para eles foram encaminhados, na larga maioria dos casos, os alunos de menores recursos económicos, logo de menores apoios e incentivos à instrução e à educação por parte das famílias. A escola, tal como a conhecemos, ainda reproduz a condição social. Os programas dos cursos profissionais, que leccionei, não são de qualidade e os de via ensino foram piorando com o passar dos anos. Não foram portanto, ainda, facultados reais incentivos à aquisição de uma educação de qualidade.
A situação agravou-se ao limite de 2005 a 2011, anos totalmente desastrosos na área da educação de que a famosa frase de MLR, “Perdi os professores mas ganhei a população” (!!!) é uma boa síntese. Só poderia ter saído da boca de alguém profundamente ignorante na área já que o objectivo dos professores e dos encarregados de educação é comum: a melhor educação possível para as nossas crianças e os nossos jovens.
No supracitado período de tempo, as turmas contendo alunos do ensino especial passaram de um efectivo máximo de 20 para o número “normal” de 26 a 29 alunos. Sei do que falo: leccionei turmas a 20 alunos e posteriormente a 29 (numa destas incluía-se um rapaz portador de doença degenerativa e outro com síndroma de Asperger). Nuno Crato ultrapassa essa “brilhante” ideia e coloca as turmas a 30, com o desplante de dizer que “no nosso tempo” até tinham 40, esquecendo que no “nosso tempo” a percentagem de alunos que iam além da então 4ª classe era mínima, os que chegavam ao ensino secundário eram oriundos de famílias que valorizavam a instrução e a educação e que podiam facultá-las aos seus filhos. Nas turmas de 40 não havia alunos agitados ou que adormecem por terem fome. Assiste-se, pois, à manutenção do que já era muito mau e ao empenho em piorar o possível.
Tendo sido alargada a escolaridade obrigatória ao 12º ano, como compreender a dispensa de milhares e milhares de professores? A aposta é, sem dúvida, a de poupar, comprometendo em absoluto a qualidade da escola pública que a República instaurou há mais de 100 anos.
As áreas de Estudo Acompanhado e Área Projecto foram extintas. E deveriam ter sido extintas, sim, mas para dar lugar a salas de estudo onde não estivesse a turma inteira (caso de EA) e ao desenvolvimento de projectos (caso de AP). Não repetir os erros do eduquês, que o actual ministro sempre apontou, não é equivalente à mera extinção de duas áreas não curriculares!
Nuno Crato demonstra, afinal, tanta impreparação como MLR (não falo de Isabel Alçada porque não passou de uma vírgula entre dois períodos) e arrisca-se a ficar, ao seu lado, na história da Educação em Portugal. Na concepção de educação de Nuno Crato parece caber tão só o modelo de aulas expositivas para 30 alunos bem comportados: por isso vive no mundo da ficção. Nem atende às turmas de via ensino nem às turmas de ensino profissional (nestas o efectivo/turma nunca deveria ultrapassar os 20 alunos já que a componente prática bem determinada deveria ser de extrema importância). Desconhece que o tempo que vivemos não é “o seu tempo”: despreza completamente as condições de trabalho, para professores e alunos.
O ensino profissional deveria ter exactamente a mesma qualidade e dignidade do que conduz ao prosseguimento de estudos: um profissional competente, seja em que área for, é um bem essencial ao país.
Enquanto o motor da Educação for alimentado apenas por medidas de ordem economicista, não se construirá, já nem digo um mundo novo, mas uma saída para o desenvolvimento do país a todos os níveis.
Acresce ainda o facto, importantíssimo, de que um cidadão só poderá exercer em pleno a sua cidadania se possuir instrumentos que lhe permitam fazer análises críticas e autocríticas que o levem a contribuir para melhorar a sua vida e as dos outros. Uma real educação terá de abranger esta vertente.
Utopia? Talvez. Mas não é a Utopia que nos permite caminhar?