Resgatar os Direitos Humanos nas prisões: para uma Democracia decente



por João Mineiro; António Pedro Dores; António Serzedelo

É preciso resgatar Portugal da tirania e da opressão. Em tempos de ditadura da dívida, não só as condições económicas e sociais se agravam profundamente como todas as opressões e desigualdades se acentuam. Não há resgate por um futuro decente sem colocar os Direitos Humanos no centro do debate político das alternativas. Não há meios Direitos Humanos, como não há meias democracias. Falar de Direitos Humanos é, na melhor das hipóteses, falar de boas intenções. Falar de prisões é falar de más intenções. De tratamentos degradantes ou mesmo torturas infligidas para satisfação dos sentimentos de vingança e frustrações descarregadas em quem está indefeso.
Recentemente o tema das prisões voltou a ter visibilidade. Como é óbvio, pelos piores motivos: prisões sobrelotadas, condições de alimentação e higiene degradantes, corrupção, violência e tortura. Estima-se (à falta de números oficiais) que 50% dos presos são filhos de pais que estiveram presos, 60% estão na cadeia pela segunda vez ou mais, 75% foram internados pela primeira vez em instituições juvenis – sem cometerem crimes – antes da idade de entrarem para a prisão. A política, no sentido nobre da palavra, tem de assumir que os direitos humanos são indivisíveis. O que se passa nas prisões portuguesas é vergonhoso e as piores práticas tendem, em alturas de autoritarismo político e de crescente desigualdade social, a reproduzir-se muito mais frequentemente, e a agravar-se. No plano económico, como no plano judicial e penal. O que se passa nas prisões é parte da política de desprezo pela cidadania e pela dignidade das pessoas. É parte da política de empobrecimento levada a cabo em Portugal.
Pensar alternativas democráticas passa também por pensar formas de respeito e promoção dos Direitos Humanos. Nos campos económico, judicial e penal.
Dadas as actuais circunstâncias – nomeadamente a alienação da política relativamente à justiça – o campo da execução penal e das políticas criminais deve deixar de ser posto debaixo do tapete e merecer, como é democrático, uma atenção elevada, politicamente empenhada. Não é admissível que seja necessária uma década (como o foi) para erradicar os baldes higiénicos ou para instalar salas de chuto, por mera oposição corporativa a tais políticas. Não é admissível a opacidade agravada com o obscurantismo organizado por falsas explicações e a incapacidade inspectiva das entidades competentes, sem reacção das tutelas políticas, no governo e na Assembleia da República. Não é admissível que a legislação produzida com vista a oferecer aos reclusos garantias de produção de queixas contra eventuais abusos seja contrariada pelas autoridades locais e, na prática, se tenha tornado um impedimento aos processos de flexibilização de penas, que somam mais tempo ao já três vezes maior tempo médio de reclusão que a média europeia.
A introdução de tutelas democráticas nos meios prisionais passa por políticas integradas de transparência das práticas prisionais, com incidência, por exemplo:
1. Na produção de estatísticas adequadas ao conhecimento dos percursos institucionais, sociais e de saúde dos detidos – e não só estatísticas para gestão do sistema;
2. Na substituição das políticas de crescente endurecimento dos regimes penais – de que é exemplo a cadeia de Monsanto, cujas práticas foram em má hora importadas dos EUA – por políticas de crescente flexibilização de penas e de abertura ao exterior, interpretando a lei de forma menos criativa, isto é, levando à letra a prioridade à reintegração social dos reclusos e abandonando o objectivo da degradação punitiva (não previsto na lei), em particular desenvolvendo tanto quanto possível os regimes abertos e, desse modo, através da abertura à concorrência dos mercados internos aos estabelecimentos prisionais, aliviando a situação de sequestro em que vivem as autoridades prisionais dentro das suas próprias prisões;
3. No desenvolvimento de políticas de acesso de voluntários às cadeias, sem obrigar a compromissos de informação, prévia ou posterior, seja de que natureza for, admitindo inclusivamente visitas com o objectivo de prevenção da tortura por parte de entidades independentes vocacionadas para o efeito, conforme está previsto, assim Portugal ratifique o Protocolo Adicional à Convenção da ONU contra a tortura;
4. Em proporcionar e organizar as políticas prisionais em função de debates aprofundados entre os interessados, cujo diálogo deve ser promovido activamente (por exemplo, através de fins-de-semana de imersão) e em que presos e guardas, directores e técnicos de reinserção, jornalistas e universitários, activistas e políticos, polícias e vítimas de crimes, enfim, todos os interessados, se possam confrontar e juntar para defenderem os direitos humanos.