Uma escola democrática, inclusiva e exigente

por António Teodoro

Na investigação que temos vindo a desenvolver, identificámos um conjunto de problemas críticos nos sistemas de educação e formação: (i) o esgotamento do modelo escolar; (ii) a forte tensão entre educação e emprego; (iii) a simultânea existência de mandatos identitários distintos nos sistemas educativos; (iv) os métodos desadequados de aprendizagem da leitura, da escrita e da aritmética; (v) as teorias (e as práticas) da aprendizagem desatualizadas face aos novos conhecimentos das neurociências e dos estudos da cognição; (vi) uma organização do curriculum escolar ainda em termos de conhecimento disciplinar; (vii) um conflito não resolvido entre formação geral e preparação para uma profissão; (viii) uma persistente desigualdade nos resultados da educação; (ix) um difícil equilíbrio entre performance e inclusão nas políticas públicas; (x) uma formação de professores centrada num conhecimento disciplinar que subalterniza a construção de saberes práticos; (xi) o pouco impacto dos estudos sobre o cérebro nas práticas e políticas educativas; (xii) uma educação de adultos hesitante entre os objectivos da cidadania da aprendizagem ao longo da vida e a colonização económica; e, (xiii) as formas de regulação transnacional que empobrecem o debate político e dificultam a participação cidadã.

Alguns destes problemas são estruturais, ou seja, resultam do esgotamento de um projeto de modernidade que teve na escola um dos seus pilares. Outros, são o resultado direto das políticas adotadas pela aliança neoliberal-conservadora que tem hegemonizado o espaço público e o poder político nas últimas décadas e que, na base de um violento programa de ajustamento negociado com os representantes dos credores financeiros (CE, BCE e FMI), conduziu a um processo de rápido “empobrecimento” da Educação, não apenas nos meios financeiros públicos atribuídos, mas, de igual modo, no conteúdo e missão formativa da escola, só comparável na história recente ao realizado por Salazar (e Carneiro Pacheco) na segunda metade dos anos 1930.

A construção de alternativas implica a clara identificação dos problemas e a escolha das prioridades, em função de um programa político de transformação e emancipação social. Mas implica, do mesmo modo, a construção de uma base social e política que permita a implementação desse programa.

Temos defendido que, no contexto social português, há quatros grupos que podem apoiar um programa educativo à esquerda, ou das esquerdas: (i) uma baixa classe média constituída por estratos sociais emergentes na vida pública e que (ainda) valorizam a educação como processo de ascensão social e de emprego qualificado para os seus filhos; (ii) os movimentos sociais, tanto aqueles que representam os trabalhadores como os (novos) movimentos que representam os jovens precários, ou se constituem em torno de problemáticas muito específicas (direitos humanos, ecologia, direitos de opção sexual, movimentos literários, artísticos e culturais, associações de desenvolvimento local); (iii) os profissionais da educação, formação e ciência, que constituem o mais numeroso grupo de trabalhadores intelectuais nas sociedades contemporâneas; e (iv) a nova classe média, constituída por todos aqueles que têm no capital cultural e escolar as suas principais fontes de rendimento e de poder social e que, em grande medida, têm sido no passado recente igualmente sensíveis ao programa neoliberal-conservador.

A construção desse programa, e da correspondente base social e política, deve assentar em torno de uma consigna: uma escola democrática, inclusiva e exigente. Uma consigna que necessita de ser desenvolvida, de modo a mobilizar conhecimento, vontades e poder capazes de gerar alternativas.