Virar do avesso três locais simbólicos


por Ribeiro Cardoso
Em Portugal respiramos corrupção como respiramos o ar. Poluído. Sem protesto. Ou protestando baixinho. É a vida, diz o povo. E esse é o problema: o povo habituou-se e, talvez por isso, continua a votar sempre, maioritariamente, nos mesmos. Naqueles que levaram o País à situação em que se encontra.
Eu sei: os órgãos de informação, com os seus proprietários e respectivos capatazes à frente, dão um jeito para que a coisa se mantenha e até floresça. Pelo menos no que toca à opinião escrita e radio ou teledifundida, há sempre uma ou outra flor a enfeitar a bolo - mas a esmagadora maioria das palavras que nos entram pela casa dentro está permanentemente a bater no mesmo ceguinho.
E como o pior ceguinho é aquele que não quer ver, temos o caldo entornado e bebemos sempre, sem grande problema, da mesma mistela, uma espécie de sopa de pedra que vai engrossando diariamente com bolo-rei para mastigar de boca aberta, periscópios, primos taxistas na Suíça, sobreiros, jaguares, universidades (modernas de preferência), jacintos pelo rego, casas com sinos, majores valentões, banqueiros e cavaquinhos a dar com um pau, faxes de Macau, generais com bandeiras coladas ao coração, marfins da Jamba, carecas a tocar órgão, comendadores e doutores colados com cuspe, travestis malucas de cabeleiras louras no Parque, cobradores de fraque.
Resumindo: este país que vai do Minho à ilha das Flores tornou-se num imenso jardim de mau cheiro. Tendo na Madeira o símbolo maior.
Na verdade, temos aí um dos exemplos mais gritantes, velho de quase quarenta anos, do que é o Portugal dos nossos dias. Graças à corrupção política, activa e passiva, existente entre nós ao mais alto nível.
E é aqui que quero chegar. Para mim, a mãe de todos os nossos problemas é a corrupção política desde há muito instalada em Belém, no Terreiro do Paço e em S. Bento. E a única alternativa existente é alterar o sistema e virar do avesso estes três locais simbólicos.
Vejamos um pouco mais no concreto.
O que é, o que significa, ao longo de quase quatro décadas, o silêncio, o olhar para o lado de Presidentes da República, Primeiros-Ministros  e deputados nacionais perante aquela realidade de uma região a que a que despudoradamente chamam  autónoma?
Eu digo-vos: é, significa, corrupção. Corrupção política. Corrupção política ao mais alto nível.
Sabe-se: na Madeira quem não disser ámen ao chefe, leva. As perseguições a cidadãos são o pão nosso de cada dia. Expulsaram-se pessoas da ilhota por motivos ditos políticos. Apadrinhou--se um movimento separatista. Destruíram-se, à bomba, numerosos carros de civis, uma viatura da PJ com dois inspectores de Lisboa lá dentro e até num avião da Força Aérea estacionado no aeroporto local. Tudo sem qualquer punição e sempre com a bênção da Igreja, numa comunhão de vómito com o poder político. Os mesmos amigos sentam-se, há anos, à mesa do orçamento. A Assembleia Legislativa tem um bando de loucos lá dentro – e transformou-se num arremedo de democracia. Sem dinheiro próprio, sempre à nossa custa, gastaram-se milhares de milhões de euros em obras megalómanas e muitas vezes sem préstimo, com isso alimentando uma clique que enriqueceu de forma desmesurada. E para trazer o povoléu pela trela, distribuíram-se, com o dinheiro de todos os portugueses, subsídios a tudo o que parecesse clube, associação e sociedade de recreio (cujos directores tinham de ser membros do PSD-M), assim transformando a populaça local numa ignóbil massa subsídio-dependente.
Às escâncaras, a Região endividou-se ano após ano, apesar dos relatórios do Tribunal de Contas, que no Funchal e em Lisboa caíram em saco roto. Houve mesmo governantes nacionais que perdoaram as dívidas da Madeira que, obviamente, também recaíram sobre todos nós. Recentemente, descobriu-se até que o soba, falando grosso, escondia sorrateira e criminosamente  dívidas enormes, varrendo-as para debaixo do tapete.
Enquanto isto acontecia, não se ouviu um pio, um ai, por exemplo aos dirigentes nacionais do PSD. Pelo contrário, os seus principais líderes foram sempre ao Chão da Lagoa, ao beija-mão do democrata Alberto João. Incluindo os actuais comentadores televisivos Marcelo e o inenarrável Marques Mendes, tão lestos, hoje como ontem, a apontar o dedo aos dirigentes de outros partidos. Marques Mendes, em 2007, foi mesmo o maior: aplaudiu discursos injuriosos para políticos nacionais de outras cores, e quando chegou a sua vez de falar elogiou de forma despudorada o PSD-M e ‘o vosso e nosso líder Alberto João Jardim’. Acabou a dizer: “Estão aqui os melhores militantes e simpatizantes do País inteiro. (…) Saio daqui com a alma cheia”.
Escolho Marques Mendes como o símbolo da maioria dos políticos portugueses. Um sem vergonha da pior espécie, que continua a ter voz nos media nacionais que, como se sabe, têm uma paixão assolapada pelo exótico e pelo ridículo. E já agora, junto-lhe Jaime Gama: o deputado que num dia de lucidez chamou Bokassa a Jardim, e mais tarde, já presidente da Assembleia da República, ao discursar no Parlamento madeirense, referiu-se a Jardim como “figura ímpar” e “combatente político em democracia”…
Falando claro: aquela realidade insular é uma imperdoável mancha-negra no Portugal de Abril. Uma nódoa que só é possível pelo inaceitável posicionamento do Poder Central, cujos titulares maiores já há muito tempo parece terem dado a Madeira como um caso perdido.
 Porém, o mais surpreendente é que a Madeira, com 36 anos de maiorias absolutas e que há muito, essa sim, vive irresponsavelmente acima das suas possibilidades (nunca tão poucos deveram tanto, apesar de nenhuma parcela do país ter recebido, proporcionalmente, tanto dinheiro do exterior), continua a ser uma das regiões mais atrasadas de Portugal, com o maior número de pobres, a maior percentagem de analfabetos e de abandono escolar, o maior número de funcionários públicos por metro quadrado, sem indústria, sem agricultura, sem pescas - e de novo a braços com um desemprego e uma emigração maciços.
Graças à corrupção política, à conivência de muitos dos eleitos, ao fechar d’olhos dos responsáveis. Por isso, repito: a única alternativa para o País é alterar o sistema e virar do avesso estes três locais simbólicos. Sem isso, nada feito.