O Orçamento da Segurança Social:
reduzir a sustentabilidade do sistema


Para 2014, o Governo está a preparar mudanças profundas nas regras de acesso à pensão de velhice do regime geral da segurança social. Estas alterações não constam, por motivos de estratégia legislativa, do articulado do Orçamento de Estado para 2014 (OE2014), fazendo parte de diploma(s) autónomo(s).



Embora a discussão decorra ainda em sede de concertação social, as intenções do Governo estão expressas na parte do texto que o Relatório do OE2014 dedica a esta questão. Nele lê-se que, a partir de 1 de Janeiro de 2014, pretende-se alterar a regulamentação referente às condições de atribuição e acesso à pensão de velhice em dois pontos essenciais:

- por um lado, atualizar o fator de sustentabilidade: segundo a nova proposta, o ano de referência inicial da esperança média de vida (EMV) aos 65 anos (elemento da forma de apuramento do fator de sustentabilidade) passará do ano de 2006 para o de 2000, o que aumenta o fator de sustentabilidade dos atuais 4,78% para 12%. Prevê-se, porém, uma cláusula de salvaguarda na sua aplicação, excluindo o fator de sustentabilidade do cálculo do montante da pensão para quem se reforme na idade legal ou após a mesma;

- por outro lado, alterar da idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor (65 anos), por indexação ao fator de sustentabilidade: no ano de 2014, a idade da reforma será igual à idade de 65 anos mais o tempo necessário à compensação do impacto do fator de sustentabilidade. Assumindo uma taxa de bonificação de 1%/mês, serão necessários mais 12 meses de trabalho para além dos 65 anos para compensar a redução do montante das pensões em resultado da aplicação do novo fator de sustentabilidade de 12%. Na prática, para um trabalhador se poder reformar em 2014 sem penalizarão terá que trabalhar até aos 66 anos. A proposta deixa de fora os trabalhadores que completem 65 anos até ao final de 2013, que poderão aceder à reforma em 2014 nas condições atuais. No entanto, o Governo pretende ainda que, a partir de 2015, a idade normal de acesso à pensão em vigor em 2014 (66 anos) passe a variar de acordo com a evolução da EMV aos 65 anos, verificada entre o 3.º e 2.º ano anteriores ao ano de início da pensão, na proporção de 2/3 dessa variação. Ou seja, em 2015, a idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor em 2014 (66 anos) irá variar na proporção de 2/3 da variação da EMV aos 65 anos verificada entre 2012 e 2013. Em 2016, a idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor em 2015 irá variar na proporção de 2/3 da variação da EMV aos 65 anos verificada entre 2013 e 2014, e assim sucessivamente. Se a variação da EMV for positiva a idade normal de acesso à pensão aumenta; se for negativa diminui. Assim, a variação futura da idade normal de acesso à pensão de velhice resultará da indexação dessa idade ao aumento da longevidade da população.

O relatório do OE2014 - onde se lê que o Governo pretende com estas alterações reduzir, no próximo ano, a despesa em €205 milhões - diz ainda que estas duas alterações serão refletidas em projetos de alteração da Lei de Bases da Segurança Social e do regime de pensões a submeter à Assembleia da República ainda em 2013, de forma a entrarem em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2014. Entretanto, o Governo enviou na semana passada para a Assembleia da República uma proposta de alteração de dois artigos da Lei de Bases da Segurança Social: o artigo 63.ª, “Quadro Legal de Pensões”, e o artigo 64.º, “Fator de Sustentabilidade”. Na proposta, adita ao artigo 63.º um número que estabelece que “A lei pode prever que a idade normal de acesso à pensão de velhice seja ajustada de acordo com a evolução dos índices da esperança média de vida”. Ao artigo 64.º adita um número que estabelece que “A lei pode alterar o ano de referência da esperança média de vida previsto no número anterior, sempre que a situação demográfica e a sustentabilidade das pensões justificadamente o exija, aplicando-se o novo fator de sustentabilidade no cálculo das pensões futuras”.

Embora estas alterações sejam ainda bastante vagas, do que já se conhece das intenções do Governo, várias questões merecem atenção:

- por um lado, tudo indica que o Governo pretende retirar a flexibilidade que o sistema anterior de indexação da idade de reforma ao fator de sustentabilidade dava ao trabalhador, que podia escolher entre sair aos 65 anos com penalização, ou completar o tempo necessário para beneficiar da reforma completa. Se o Governo optar por retirar essa flexibilidade do sistema, impedirá os trabalhadores de escolherem sair para a reforma com penalização, uma vez atingida a idade de referência (entretanto elevada para os 66 anos). Esta solução, para além de reduzir o bem-estar e o espaço de decisão dos trabalhadores, produz ganhos orçamentais de curto prazo enquanto muito provavelmente piora a sustentabilidade do sistema, uma vez que o sistema pagará pensões mais elevadas para estes trabalhadores.

- por outro, esta solução nada faz para melhorar a situação dos trabalhadores mais velhos em situação de desemprego de longa duração - que são demasiado velhos para se requalificar profissionalmente e demasiado novos para se reformar -, ao mesmo tempo que agrava a situação dos jovens que aguardam a sua oportunidade de entrar no mercado de trabalho.

Hugo Mendes