A vertente tributária do OE para 2014:
o triunfo da nova parafiscalidade


A proposta de Lei do OE 2014 é uma proposta de agravamento da tributação das pessoas singulares, em particular, de pensionistas e trabalhadores da função pública, ou seja, dos estratos médios e médios baixos de rendimentos.

Em primeiro lugar, insiste-se nos “cortes” nos salários da função pública introduzidos pelo Lei do OE 2011, agora alargados às remunerações mensais superiores a 600 euros (em vez dos 1500 anteriores) e aumentadas as taxas de “corte” para 2,5% a 12% (em vez dos anteriores 3,5% a 10%). Uma vez mais o “corte” é apresentado como transitório e tem um pequeno brinde: os funcionários que aceitarem reduzir o período normal de trabalho em duas horas por dia ou oito por semana, com respetiva redução salarial, ficam isentos deste “corte”. Fala-se de “corte”, mas, em bom rigor, o que está em jogo, é uma medida economicamente equivalente a um imposto (um tributo parafiscal inominado) aplicável apenas sobre uma parte da população. O facto de o Governo ser ao mesmo tempo patrão e autoridade tributária não é relevante: a medida será, aliás, aprovada não pelo Governo, mas pelo Parlamento. A razão desta confusão destina-se a inscrever os cortes como sendo uma redução da despesa pública. Em qualquer caso, é claro que esta medida não terá caráter provisório (não pretende ser uma medida one-off  ou irrepetível), bem pelo contrário, a ideia da tabela salarial única indicia que ela é definitiva.


A proposta do OE mantém igualmente a Contribuição extraordinária de Solidariedade (CES) sobre as pensões mensais entre 1.350 euros e 3.750 euros, sujeitas a uma taxa progressiva, entre 3,5% e 10%, independentemente da natureza da entidade pagadora. Acima dos 3750 euros aplica-se uma taxa proporcional de 10%. De contribuição só tem o nome, pois não existe, neste caso, qualquer resquício de aplicação do princípio da equivalência que rege a criação de contribuições. Para além disso, também aqui, o provisório tende a transformar-se em definitivo.

Acresce ainda que, em nome da convergência do sistema de pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA) com a Segurança Social, se perfila um “corte” nas pensões da CGA, na prática, um novo imposto, que deverá render aos cofres do Estado 672 milhões de euros. O corte acumula com a CES e aplica-se às próprias pensões em pagamento, suscitando legítimas dúvidas de inconstitucionalidade. Além disso, prevê-se igualmente um “corte” nas pensões de sobrevivência mediante a introdução da condição de recursos na atribuição das pensões de viuvez.

Mantém-se, além disso, a chamada “sobretaxa” no IRS, em meu entender, um verdadeiro imposto autónomo. No âmbito deste imposto, há ainda uma subtil forma de tributação decorrente da não atualização dos escalões em função da taxa de inflação, medida que atinge todos os sujeitos passivos de IRS.

Outros impostos irão igualmente subir. Assim, o Único de Circulação (IUC) para carros ligeiros  e motociclos a gasóleo mediante a aplicação de uma taxa adicional situada entre 1,39 euros e 68,85 euros. Será também aumentada em 40 cêntimos. O mesmo acontecerá com os impostos sobre as bebidas alcoólicas (cerveja e  bebidas espirituosas) e com o imposto sobre o tabaco, charutos e cigarrilhas e tabaco de enrolar. A subida de todos estes tributos, muito superior à que ocorre com outros tipos de rendimentos (note-se que os rendimentos de empresas baixam mesmo com a proposta de IRC apresentada à margem do OE) prejudica essencialmente os estratos médios da sociedade e terá repercussões negativas na procura, afetando as miríficas previsões do quadro macroeconómica.

António Carlos dos Santos