Tema: Os desafios da denúncia do memorando


por Ronaldo Fonseca

Pode Portugal esperar por uma mudança a nível europeu??Já sabemos que o chamado memorando da troika é um embuste do capital financeiro europeu para (sob pretexto do pagamento de uma dívida gerada no âmbito da crise do próprio sistema) laminar as economias dos países do sul da Europa, destruir o que resta dos seus estados sociais, privatizar as suas empresas significativas e rebaixar drasticamente os padrões de vida dos seus povos, incluindo as "classes medias".

Os pequenos países periféricos (Portugal e Grécia) perderão completamente a sua soberania sendo relegados a uma situação de protetorados (de facto) das economias centrais, nomeadamente, da Alemanha.Se este governo de direita português durar mais um ou dois anos, aplicando as medidas que congeminou com o capital financeiro europeu(e nacional), Portugal, ao fim deste tempo, estará liquidado como país civilizado e reduzido a uma situação de uma nova Albânia(post intervenção nos Balcãs) onde acabarão por proliferar  economias mafiosas de todo o tipo.Permitir que este governo dure será o suicídio de Portugal.Face a esta perspectiva mais do que provável (e tendo-se em linha de conta o facto da óbvia perda da base de apoio/tolerância deste governo) a questão que se coloca às forças de esquerda (e ao Congresso das alternativas) é a seguinte:pode a esquerda adoptar a perspectiva de que uma saída progressista para Portugal terá obrigatoriamente que ser "a nível europeu" ou deverá actuar no sentido de uma ruptura com a Europa neoliberal e o euro e a busca de outra inserção económica internacional?

Na minha perspectiva, Portugal (e a Grécia) já não vai mais a tempo de uma eventual mudança no modelo europeu(que seria, na melhor das hipóteses, uma regulação dos mercados e a adopção de políticas neokeynesianas). Isto porque, uma mudança parcial do modelo europeu depende necessariamente da correlação de forças dentro das duas maiores economias europeias, a Alemanha e a França. Ora, verificamos que os ritmos da degradação da situação das massas populares(e sua influência na correlação de forças política) é muitissimo diferente no centro e nas periferias do sul da Europa. Na Alemanha temos o capital financeiro e o neoliberalismo fortemente implantados.O SPD é um partido (social) neoliberal e não possui uma ala esquerda minimamente significativa.A única força contrária ao neoliberalismo (o Die Linke) tem uma expressão eleitoral que neste momento é inferior a 10% e não existe um movimento de massas dinâmico que pudesse alterar a situação.

Na França o governo do PS se revelou claramente neoliberal, viabilizando este modelo europeu e vai ratificar o tratado Merkel/Sarkosy, que significa austeridade permanente. Hollande apenas tomou algumas medidas internas diferentes(taxação das grandes fortunas durante dois anos,etc), que não poem em causa nada de essencial. O principal dirigente da ala esquerda do partido (Benoit Hamon) foi cooptado para integrar o governo, aceitando uma pasta secundária. De todas as formas, a ala esquerda do partido não ultrapassa os 20%.O Front de Gauche (11% para Melenchon nas presidenciais), é uma força de esquerda significativa  pelo seu dinamismo no movimento popular(e por isso é considerado um inimigo por F.Hollande), mas está muito boicotado pela comunicação social francesa e a sua evolução será ainda relativamente lenta. O governo de Hollande surge como um "governo tampão" para a radicalização das massas. Esta análise não é estática, é óbvio que as coisas não estão paradas mas a questão fundamental é que os ritmos da degradação das condições de vida do povo são muito mais lentos na Alemanha e na França em relação aos países do sul da Europa, com economias muito mais frágeis.

Parece-me claro que a rápida degradação da situação económico/social em Portugal(e a tendencia à radicalização popular) não pode "esperar"  uma década (na previsão de Melenchon) pela alteração da correlação de forças para uma mudança significativa nos países centrais da Europa.Nessa perspectiva, penso que o Congresso(como força de proposta e intervenção) tem que apresentar uma proposta à altura das circunstâncias históricas, isto é: propor (para um eventual governo unitário de esquerda)
1) a ruptura do memorando da troika e a suspensão do pagamento da dívida.
2) a nomeação de uma auditoria à dívida para cancelar toda a parte ilegítima, não reconhecendo a dívida provocada pelos mecanismos corruptos das elites financeiras (para isso contará certamente com a disponibilidade de Eric Toussaint que dirigiu a auditoria no Equador de Rafael Correa).
3), a socialização do sector financeiro, formando um polo público bancário.
4)a dinamização dos investimentos públicos produtivos. (A meu ver, se o Congresso fizer uma proposta que não implique a ruptura do memorando e a suspensão dos pagamentos da dívida, ficará aquém das ideias de personalidades que nem sequer são reconhecidas como claramente de esquerda.Veja-se a recente tomada de posição de Luis Nazaré-um tecnocrata de bom senso- que afirmou que a solução do problema de Portugal passa pela ruptura imediata do memorando e a suspensão dos pagamentos da dívida).

A última questão reside na punição que a Comissão Europeia desencadearia contra Portugal se tomasse as medidas acima citadas, e que passaria pela provavel expulsão da zona euro(e da UE).Como evitar o "cataclisma monetário" e financeiro que a saída do euro e o retorno a uma moeda nacional desencaderia?? Não sendo especialista nessa área, apenas posso apontar como possível saída para uma tal situação, a criação de uma União Económica e Financeira entre Portugal e o Brasil (com o governo do PT) no âmbito da qual seria equacionada a melhor solução para a moeda portuguesa, isto é, se regressaria ao escudo ou se adoptaria o real brasileiro (que é uma moeda já em circulação e consolidada internacionalmente, pelo próprio peso da economia brasileira). Isto permitiria evitar o "cataclisma monetário" e iria abrir, uma nova perspectiva para a economia portuguesa pelo acesso, em condições favoráveis, ao importante espaço económico  latino americano e brasileiro, beneficiando da evolução positiva(em termos gerais) deste continente, onde importantes medidas anti-neoliberais e progressistas tem sido adoptadas por vários países.Tratar-se-ia  de uma viragem geopolítica que obviamente só poderia ser tomada por dois governos progressistas e contrários às perspectivas neoliberais.Naturalmente que a criação de uma tal União Económica (cujos moldes seriam definidos pelos especialistas) teria que ser sufragada pelos dois parlamentos, o que implicaria maiorias políticas.A meu ver, uma tal perspectiva não deveria, à partida, ser rejeitada como "utópica".

O momento histórico exige soluções arrojadas. O Congresso das Alternativas poderia(através de seus responsáveis ligados ao PT brasileiro) iniciar um diálogo prospectivo com responsáveis da área politica/economica deste partido para avaliar da viabilidade de um tal caminho.Somente após essa prospecção e em face dos seus resultados,se poderia,obviamente,referir, publicamente, uma tal possibilidade ou um tal caminho.Finalmente, sabemos que apenas a direcção do PS não está disponível para a ruptura do memorando e o questionamento da dívida.Mas,  existem deputados e exdirigentes do partido que já assumiram a necessidade deste caminho. Uma tomada de posição clara do Congresso ajudaria sem dúvida a uma clarificação dentro do PS.Aqui fica esta minha contribuição ao debate na área da "denúncia do memorando".