O orçamento da revisão do regime


O Orçamento de Estado (OE) para 2014 é o mais gravoso para a sociedade portuguesa desde que vive em democracia. A ser aprovado na Assembleia da República e posto em ação pelo Governo, este OE cumprirá um dos objetivos políticos centrais da austeridade – a suspensão prática do regime democrático por imposição de uma legitimidade da exceção e da necessidade.

A democracia em Portugal está hoje ameaçada nas próprias condições do seu exercício, sejam as formais, como o respeito pela Constituição da República Portuguesa, sejam as materiais, como a capacitação da esmagadora maioria dos cidadãos para o exercício dos seus direitos políticos.

Há que denunciar este OE para 2014. É um instrumento governamental de ataque à soberania democrática do país, à convivência democrática entre os cidadãos e as instituições políticas, à própria forma de legitimação democrática do poder político.

1. O conjunto de medidas abertamente inconstitucionais contidas no OE não só procura concorrer contra a legitimidade da Constituição da República Portuguesa, mas desafiar e disputar a sua autoridade. Contra as consequências seríssimas desta adversidade à nossa Constituição democrática, é preciso advertir, e se necessário acusar, que os poderes públicos em Portugal não têm outra legitimidade além da que lhe é conferida pela Lei fundamental do país.

2. As medidas no OE2014 que visam substanciais cortes no rendimento de pensionistas e funcionários públicos, mau grado a proteção legal que lhes assistia, põem em causa a confiabilidade das leis em Portugal. Além da Constituição, o OE2014 ameaça as bases do próprio Estado de Direito e Democrático.

3. A escolha política que subjaz ao OE2014 é o Estado descontratualizar todas as suas obrigações – sejam as laborais sem as relacionadas com qualquer uma das suas funções sociais. É inequívoco que os contratos entre o Estado e as camadas mais fragilizadas da sociedade têm sido unilateral e sucessivamente quebrados no quadro das políticas de austeridade. A retórica política dos “direitos adquiridos” vem fundamentalmente relativizar o adquirido do Direito, em vista desta descontratualização.

4. O empobrecimento da esmagadora maioria dos cidadãos nacionais, aliada à insegurança da sua condição financeira e ao risco iminente de queda abrupta no desemprego, incapacita o exercício livre da cidadania. Hoje a insegurança do rendimento é um medo político consequente.

5. O OE2014 é a face visível de uma política de fomento da desigualdade social que tem por contrapartida uma desconfiança crescente da sociedade portuguesa face às práticas e ao valor das instituições democráticas.

6. Com este OE o Governo propõe-se conduzir a economia nacional e a sociedade portuguesa à subjugação incondicional diante do poder de que a troika é representante e que não tem por fonte a soberania popular, nem, por legitimidade, o respeito pelas instituições democráticas nacionais.

André Barata e André Carmo