Vende-se país com tudo incluído




O processo de transformação do modelo de sociedade levado a cabo pelas políticas inscritas no Memorando da Troika reduz a esfera de atuação do Estado até à inexistência. As privatizações são um elemento chave de transferência de recursos públicos para as mãos de privados.


As recentes vendas da EDP – Energias de Portugal, da ANA – Aeroportos de Portugal e da maioria do capital da REN – Redes Energéticas Nacionais permitiram a grupos privados internacionais controlarem empresas estratégicas e monopolistas. Planeadas estão ainda as privatizações dos CTT – Correios de Portugal, da Caixa Seguros, da Águas de Portugal, da TAP – Transportes Aéreos Portugueses, da RTP – Rádio e Televisão Portuguesa, do capital restante na REN e da CP Carga, bem como a concessão de empresas de transportes no Porto e em Lisboa. Pelo meio, também a Caixa Geral de Depósitos vendeu as suas participações em grandes empresas.

Mesmo do ponto de vista financeiro estas vendas são inúteis (e irrepetíveis e empobrecedoras): a receita apenas serve para abater à dívida. Mesmo assim, para evitarmos a subida anual da dívida precisaríamos de quatro operações de venda como a da EDP, realizada em 2011. Já as receitas das concessões, como a da ANA e dos transportes, servirá para reduzir o défice anual de forma bastante marginal. Mais do que necessidade financeira, estas operações cumprem um plano ideológico.

Estes processos aceleram a concentração de capital. É cada vez mais curta a minoria que detém a propriedade e os meios de produção. Todos os outros devem produzir para garantir, direta ou indiretamente, a rentabilidade destes colossos económicos. Muitas vezes, para legitimar o processo com que poucos concordam, os diferentes Governos recorrem a uma etapa intermédia de venda fragmentada, vendendo a ilusão de que todos poderão ser donos da empresa e que se manterá o interesse nacional.

Os cidadãos ficam privados de instrumentos fundamentais de controlo da sua economia. A gestão da energia, transportes, sistema financeiro, telecomunicações, entre outros setores, está cada vez mais subordinada à rentabilização máxima e à perpetuação da hierarquia de poder vigente.

O Estado Social é o principal derrotado. Os lucros que antes contribuíam para a criação de emprego, a modernização do país e para despesas sociais de diversa ordem, serão privatizados.

A globalização do capital promove a deslocalização daquelas que outrora foram grandes empresas nacionais. A Cimpor e a Portugal Telecom (Brasil), a EDP e a REN (China) e a ANA (França) viram as suas atenções para outras geografias, ao mesmo tempo que encerram instalações e despedem trabalhadores em Portugal.

Para além da salvaguarda do interesse público e da igualdade de acesso aos bens fundamentais, a existência de um Sector Empresarial do Estado (SEE) constitui também uma reserva que garante que quando pessoas competentes (e decentes) chegarem ao governo poderão implementar uma estratégia de desenvolvimento e crescimento económico.

Quem promove um Orçamento que a coberto sacrifica a propriedade pública tem também a convicção de que, se conseguida, a dificuldade de reversão será imensa. Este poder e estas políticas, que há muito não têm qualquer sustentação democrática, sentem a urgência de acelerar a sua concretização.

Este orçamento parece uma nova secção do OLX: vendemos tudo por qualquer preço.

Estes governos herdaram bens e as condições de governação e intervenção que eles proporcionam. Não toleram que outros possam fazê-lo, nem qualquer futuro, nem qualquer esperança. Nada deixarão aos que lhes sucederam. Urge impedi-los!

Frederico Pinheiro e Sérgio Manso Pinheiro