Por uma sociedade mais justa e inclusiva: a propósito de política de saúde


por Luiz Gamito(*)

A prática política exige definições de prioridades na procura da melhor qualidade de vida de uma população. Não parece que esta população considere a saúde como um bem não prioritário. Após a criação do SNS, a percentagem do PIB atribuída aos custos com saúde manteve-se estável durante muitos anos (8-9%), tendo tendência a subir já recentemente para valores de 10% ou mais.

A verdade é que, nos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, este é um fenómeno naturalmente observado e para explicação do qual existem fatores bem identificados - aumento da esperança média de vida, aparecimento de novas doenças, aumento de custos com novas terapêuticas, meios complementares de diagnóstico mais complexos, etc.

Mas no nosso país, também neste período de tempo, se assistiu a uma “febre de empresarialização” que, subordinada a conceptualizações “neo-liberais”, seja lá o que isso significa, vieram introduzir o primado da “competitividade” versus o da “cooperação” entre serviços. Neste âmbito compreensivo vieram surgir as PPP, uma forma que o Estado descobriu de estabelecer relações de privilégio económico para alguns grupos financeiros, não muitos, e só com estes.

Desta forma, o sistema que estaria “capturado” até então por técnicos profissionais (pequenos e médios), passou a sê-lo por quem os nossos dirigentes políticos entenderam que merecia: o capital financeiro.

Então, sob o manto diáfano da competitividade, distribuíram-se salários diferenciados para quem desempenhava tarefas idênticas, aumentou-se a burocracia (que sempre foi sinal de incompetência), criaram-se múltiplos cargos de gestão inúteis, redenominaram-se realidades que continuaram a ser as mesmas (numa afirmação de provincianismo modernaço), tolheram-se carreiras técnico-profissionais e a organização do trabalho em equipa, com a consequente opacidade das lideranças, dificultando as práticas em rede.

Apesar de tudo e contra isto, os bons profissionais do SNS, que são muitos, vêm garantindo respostas satisfatórias em diversos níveis e áreas de atuação, por enquanto.

Agora que nos Estados Unidos da América muitos se esforçam por colocar na ordem do dia da política nacional a questão da universalidade dos cuidados de saúde, será que nós queremos andar ao contrário? Quais então as alternativas? Regressemos ao básico.

O Ministério da Educação deverá ser mais implicado na adoção de curricula de formação em saúde e em competências sociais, porque assim se formarão cidadãos e cidadãs mais esclarecidos/as para a defesa da sua própria vida.

O Ministério da Saúde deverá garantir a prossecução do SNS como uma prioridade nacional e fazer mais com menos. Como? Perguntando a quem sabe.

Sendo o único proprietário do SNS, o Estado tem todas as condições (que incluem a possibilidade de realização de alterações legislativas) para racionalizar, redimensionar capacidades, favorecer articulações entre serviços, baseando-se no princípio da cooperação. Assim queira furtar-se às influências nefastas da economia financeira responsável pelas crises que vamos vivendo. E não vale a pena virem os habituais dirigentes (é também um problema de escola), com as habituais desculpas acerca do corporativismo dos profissionais como impedimento ao progresso. Esta é uma falácia que a História bem conhece e tipifica um modo de pensar e um carácter: ou são os judeus, ou são os pretos, ou são os médicos, ou são os enfermeiros ou enfim, somos cada um de nós.

(*) Médico Psiquiatra.